PL prevê prazo de validade para testamento de emergência; "tornar regra aquilo que deveria ser excepcional vulnerabiliza o Direito Civil", diz advogada

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Agência Câmara de Notícias)

Em análise na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 196/2024 estipula prazo de validade para o testamento de emergência, feito de próprio punho, sem testemunhas, em circunstâncias excepcionais, como risco iminente de morte. O texto tramita em caráter conclusivo e será ainda analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

A sugestão da proposta, de autoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), veio da 7ª Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal – CJF em 2015.

O projeto determina a perda de validade se, em 90 dias, não for confirmado em procedimento mais comum de elaboração de testamento, com a presença de testemunhas. Também perde a validade se quem elaborou o documento não morrer nas circunstâncias excepcionais que justificaram a redação.

Segundo a autora, passada a situação causadora da excepcionalidade, há necessidade de confirmar o testamento pelas vias ordinárias. "Essa via não se pode converter em alternativa tendente a burlar as formalidades legais para a elaboração de testamento, que foram pensadas para resguardar a vontade real do declarante", afirmou a parlamentar.

Invalidade

A advogada Simone Tassinari, membro da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a proposta prevê a invalidade do instrumento elaborado de forma emergencial, de próprio punho e sem testemunhas, se, a partir desta data, não suceder o falecimento e, se, em caso de sobrevivência, no prazo de 90 dias, não forem atribuídas as formalidades habituais testamentárias, como a inclusão de testemunhas.

Segundo a especialista, a existência de prazo para validade do testamento emergencial visa proteger declarações de vontade civilmente realizadas sob intensa emoção e em evidente situação de risco. "Em linhas gerais, estas condições seriam suficientes para ensejar a nulidade de qualquer ato jurídico, porque atingem o núcleo essencial de emanação de vontade."

Ela pondera que o Código Civil prevê nulidade via estado de necessidade e coação, "além de retirar completamente o negócio do plano da existência, caso a circunstância seja capaz de caracterizar a ausência de vontade (aplicação da vis compulsiva para os atos em geral)".

"A previsibilidade de tempo e de condutas a posteriori para reconhecer validade à declaração de vontade emergencial tem duas esferas protetivas: a primeira, estende proteção ao testador, que tem prazo para ratificar a vontade, após a cessação dos efeitos emergentes. Passada a tempestade, ainda tenho desejo de testar meus bens aquelas pessoas e daquela forma? De outro lado, protege o sistema hereditário como um todo, pois viabiliza a possibilidade de atender ao período de excepcionalidade e, da mesma forma, adequar-se à vontade com menos condicionantes do declarante", comenta a advogada.

Para Simone, a perenização do testamento emergencial, sem ratificação e cumprimento das formalidades legais abre espaço para descumprimento jurídico, pois enviesa o sistema. "Tornar regra aquilo que deveria ser excepcional vulnerabiliza o Direito Civil, pois atinge núcleo essencial de direitos tão especiais à sociedade, como é o caso da noção contemporânea de autonomia privada."

"Se desejamos exercitar autonomia privada, façamos de forma regular. Se existe situação emergencial, que esta seja tratada como emergência e cessadas as condições de singularidade que aquele momento exigia, retome-se às normas", afirma a especialista.

Na visão da advogada, o Direito precisa servir às pessoas comuns e a simplificação de procedimentos precisa andar na mesma mão da correção jurídica. "Se há motivos emergentes, que sejam tratados como emergência."

"Passada a fase de CTI, leve-se o paciente ao quarto, ou mesmo à própria casa, para retomar sua rotina. Exigir tratamentos intensivos a todo momento, pode gerar efeito de cardápios que valem somente quando os desejos assim se alinharem", conclui Simone Tassinari.